Sobre o Observatório de Censura à Arte

Plataforma que mapeia casos recentes de censura a artistas no Brasil lançada em 2019, o Observatório de Censura à Arte tem como marco inicial a mostra Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira (2017). O caso da mostra foi escolhido como marco temporal do projeto devido à sua repercussão.

O Observatório começou a ser pensado no início de 2019 pela equipe do Nonada, que via crescerem pouco a pouco as notícias de censura a artistas em diversos cantos no Brasil. Como ter uma dimensão de quais obras, suas temáticas e localidades estão sofrendo cerceamento? Essas perguntas motivaram a criação do Observatório, que registra também quem são as pessoas e instituições responsáveis pelos atos inconstitucionais.

Enquanto na época da ditadura militar, um órgão do Estado era responsável pelo cerceamento, atualmente a censura se manifesta a partir de agentes de diversas instâncias de poder e de autoridades públicas e de empresas privadas, uma vez que a censura ocorre na esfera pública ou nela repercute. Desta forma, há casos no Observatório acionados por prefeitos, parlamentares, juízes, policiais civis e militares, gestores culturais de espaços públicos e privados, cidadãos. Os casos mais notórios são de responsabilidade de órgãos do governo Federal, que desde o início da gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) vem construindo uma antipolítica cultural

Idealizado para ser uma fonte de informações para artistas, jornalistas, pesquisadores e demais pessoas interessadas, o Observatório foi fonte de pesquisas acadêmicas e tema de matérias em veículos de imprensa desde então. Quem realiza uma análise aprofundada dos casos percebe pontos que se repetem nos casos, como a constante pressão de políticos conservadores nas redes sociais pela censura de determinadas obras. Até mesmo o ex-secretário especial de Cultura, Mário Frias, foi um desses agentes ao exigir o cancelamento de uma live com temática LGBTQI em Santa Catarina ainda em 2021.

Chama a atenção também o fato de que a grande maioria dos casos de censura - cujas denúncias são jornalisticamente checadas pela equipe - compartilharem temas ou pautas sociais. As temáticas mais censuradas conforme os registros do Observatório são justamente obras LGBTQI, seguidas de obras feministas, antirracistas e com críticas ao governo Bolsonaro. Outra informação importante é a existência de registros em todas regiões do país, de norte a sul, o que demonstra que as ações não são isoladas.

São consideradas no relatório obras e eventos cancelados, alterados, destruídos e impedidos. Para além desses tipos de cerceamento, os artistas também vêm sofrendo com outros tipos de violência, como processos da Justiça, investigações na Polícia Civil e detenções, caso de vários artistas do Hip-Hop, sem contar as asfixias financeiras e burocráticas ao setor cultural.


Nonada Jornalismo

Somos uma organização sem fins lucrativos que entende a cultura para além da produção artística. Desde 2010, busca ecoar com viés decolonial as múltiplas vozes que formam a cultura brasileira, com enfoque em pautas sobre processos artísticos, políticas culturais, comunidades tradicionais, culturas populares, censura e direitos humanos, memória e patrimônio.


Quem faz

Metodologia

Para delimitar o conceito de censura que baliza a edição do projeto, este Observatório usa como referência os critérios elencados pela socióloga Maria Cristina Castilho Costa, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP e coordenadora do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da USP:

1. A censura é um ato que visa alterar, modificar, silenciar, interditar manifestações de produção simbólica – livros, revistas, charges, encenações teatrais, músicas, danças, pintura, desenho, notícias, conteúdos digitais, games.

2. Esse ato tende a fazer com que o público, a quem a obra se destina, seja privado de seu conteúdo, como desejado pelo(s) autor(es) e seu público;

3. É preciso que o ato censório se dê no espaço público ou nele repercuta. Quando um jornalista é impedido de publicar suas ideias diferentes das da direção da empresa para a qual trabalha (editorial), o jornal está impedindo que tais interpretações dos fatos se divulguem ao público leitor;

4. A censura atua de forma a inibir certos conteúdos, sua menção ou defesa, sua discussão, buscando apagar interpretações da realidade não oportunas a certos grupos. Tende também a promover a autocensura. Isso significa que a principal motivação do ato censório e que o caracteriza é seu cunho ideológico;

5. Os atos censórios tendem a ser justificados por razões morais e éticas, sempre vistas como universais e não históricas. Tendem também a ser considerados como forma de proteção a minorias, sejam elas crianças, mulheres, grupos étnicos ou em situação de risco;

6. A censura sempre explicita a interpretação de mundo que se torna inconveniente, indesejável e que se deseja silenciar;

7. O mais importante: o mundo que os atos censórios dizem defender não existe. Não há ideologias hegemônicas e sem dissidência, não há sociedade com relações afetivas, sexuais e familiares modelares, mas muitos arranjos pessoais, improvisados, dissidentes, inusuais, que assinalam para tendências de uma sociedade em movimento e em transformação;

8. A censura, onde quer que se manifeste, é sempre política, tem a ver com o exercício do poder, com privilégios, com dominação. Como afirma Pierre Bourdieu, as trocas simbólicas são um espaço de prática do poder. Por isso, mais uma vez, ela é histórica, temporal e datada. Dessa forma, qualquer tentativa de criar critérios supra-históricos é falsa.

Fonte: Isto não é censura – a construção de um conceito e de um objeto de estudo, de Maria Cristina Castilho Costa (2016)